Como muitos governantes brasileiros, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, adora aparecer paramentado com trajes da defesa civil, mas destinou recursos irrisórios para o setor.
Como a maioria dos governantes brasileiros, o governador do RS, Eduardo Leite (PSDB), adora se ornamentar com coletes da Defesa Civil quando a água literalmente bate nos joelhos de cidadãos que ficam no caminho de grandes eventos climáticos que estão ocorrendo com cada vez mais frequência em função do aquecimento da atmosfera da Terra.
Leite, em um momento que misturou cinismo e hipocrisia, chegou a declarar recentemente que o RS vai necessitar de um “Plano Marshall” para iniciar o processo de reconstrução após a ocorrência de chuvas catastróficas na semana passada e que ameaçam se repetir nos próximos dias. Logo ele, um dos governantes mais neoliberais do Brasil nos brinda com essa chamado à aplicação de uma receita que funcionaria com largas de ingestões de recursos estatais (de preferência da União para que o neoliberalismo permaneça intocado nas terras gaúchas, é claro).
Mas um levantamento feito pela Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) mostra que desde 2020, Eduardo Leite promoveu um retalhamento das leis ambientais no RS, e que explicam em parte como os efeitos das chuvas foram potencializados por uma série de mudanças que enfraqueceram proteções e abriram caminho para uma explicação ainda mais desenfreada dos recursos naturais gaúchos. Dentre os exemplos elencados pela Agapan estão:
- Em 2020, Eduardo Leite fez aprovar na Assembleia Legislativa a Lei 15.434, apelidada de Novo Código Estadual do Meio Ambiente, que suprimiu ou flexibilizou mais de 500 artigos e incisos do Código Estadual de Meio Ambiente criado no ano 2000, afrouxando regras de proteção ambiental dos biomas Pampa e Mata Atlântica.
- Em 2021, o governo de Eduardo Leite também conseguiu aprovar o chamado Licenciamento por Adesão e Compromisso (LAC), conhecido como autolicenciamento privado, que foi muito criticado por afrouxar a fiscalização ambiental. O LAC permite que 49 atividades econômicas, sendo 31 com alto e médio potenciais poluidores, sejam autorizadas independente do seu porte, apenas a partir do uso de uma forma muito simplificada de licenciamento ambiental na qual o empresário basicamente fica com passe livre para desenvolver projetos potencialmente agressivos, sem a necessidade de aprovação de estudos técnicos e, pior, sem que se comprometa a adotar medidas de mitigação e reparação por danos eventualmente causados.
- Em 2023, enquanto as famílias no Vale do Taquari ainda choravam seu parentes mortos, procuravam desaparecidos e contabilizam os prejuízos econômicos causados pela enchente, o Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) sob controle do governo de Eduardo aprovou a “atualização” do Zoneamento Ambiental para a Atividade da Silvicultura (ZAS) no estado, que tornou possível que monoculturas de árvores passassem do limite 900 mil ou 1 milhão de hectares para 4 milhões de hectares em cada Unidade de Paisagem Natural (UPN) x Bacia Hidrográfica (BH), ampliando os impactos causados pela remoção de florestas nativas e sobreuso de recursos hídricos, e uma forte ampliação das áreas de deserto verde.
- Em 2024, mais precisamente no dia 09 de abril, o governo de Eduardo Leite conseguiu aprovar, facilmente diga-se de passagem, outro projeto com alto potencial de impacto ambiental que, mais uma vez, colocou Leite e entidades ambientalistas em lados opostos. Trata-se da lei que flexibiliza ainda mais o Código Estadual de Meio Ambiente para permitir a construção de barragens e açudes em Áreas de Preservação Permanente (APP). O objetivo manifesto da lei seria proporcionar alternativas de armazenamento de água para agricultura e pecuária, de modo a enfrentar períodos de estiagem às custas da recuperação das matas ciliares, áreas fundamentais para o controle de inundações.
Quando se olha todas essas ações realizadas por Eduardo Leite é fácil compreender que elas buscam favorecer o latifúndio agro-exportador e grandes empresas que não hesitam em colocar a segurança ambiental dos gaúchos para aumentar suas margens de lucros. É com esses segmentos que reside o compromisso de Leite, deixemos isso claro de uma vez por todas.
Assim, antes que se isente o governador gaúcho e se atribua a catástrofe aos desígnios divinos, há que deixar claro que o que ocorre hoje no RS tem uma forte influência de decisões bem terrenas e que visam tornar os muito ricos ainda mais ricos, ainda que isto signifique afogar os pobres. Sem isso, não haverá como iniciar as bases da reconstrução das formas de interação sociedade-natureza no RS, o que apenas garantirá a repetição das catástrofes climáticas que hoje estão se repetindo em frequência cada vez maior.